Vol. 5, N° 13. Enero 2018: 259-263.


Reseña

 

Vinho Verde. Historia e Patrimônio
(2016), número 2, 170 p. ISSN 2183-7309

 

Henrique Rodrigues*

*Doutor em História Moderna e Contemporânea Investidor da APHVIN-GEHVID/ CETRAD-UTAD Correo electrónico: h.f.rodrigues@sapo.pt

 

A Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho, (APHVIN-GEHVID), editou o número dois da revista Vinho Verde, História e Patrimônio. Na sequência do projecto inicial, este tomo inaugura a filiação na Latindex (sistema de indexação e divulgação de revistas Científicas em linha da América Latina, Caraíbas, Espanha Portugal), o que lhe confere divulgação e reconhecimento científico.

No editorial, da lavra do Prof. Doutor Barros Cardoso, dá-se nota deste passo de credibilidade, por ser um periódico registado na FCT, e do propósito de estarmos perante um número temático centrado na figura de Alberto Sampaio, em resultado dos 175 anos do seu nascimento.

As contribuições abrem com um texto da autoria da Enga. Emilia Nóvoa Faria, investigadora que muito tem contribuído para a divulgação da memória de Alberto Sampaio. O leitor, aqui, tem acesso a uma resenha sobre um enólogo e viticultor de grande nomeada. Emília Faria realça bem o perfil do produtor de vinho de extrema qualidade, ensaiador de castas, adaptando-as ao clima, solo e sítio, criando um “terroir”. O saber apurado, a experimentação, o método e o rigor, descrevendo cada passo da “investigação” enólica, conferem a Alberto Sampaio um pioneirismo neste domínio, produzindo néctares de requintado palato, dando uma nova imagem ao Vinho Verde e divulgando-o no estrangeiro. Ainda sublinha a visão futurista, projectando a criação de regiões vinícolas, forma de obter produtos de excelência.

A revista mantém a organização por sectores, conferindo mais unidade dentro da diversidade dos trabalhos dados a lume.

A secção sobre Viticultura e Enologia reúne dois textos: “Alberto Sampaio e os vinhos da quinta de Boamense em Famalicão (1871-1908)” e “As castas que Alberto Sampaio cultivou”.

O texto principia com o destaque dado ao homenageado, enquanto investigador atento às questões da agricultura e da produção do vinho no século de oitocentos. Alberto Sampaio foi um verdadeiro investigador da enologia. Anotou cuidadosamente dados sobre mostos, açúcar do vinho, temperaturas e ainda foi registando apontamentos meteorológicos, que explicam as produções de vinho, além de ser pioneiro na produção de “espumante” com gás carbónico natural. E faz descrição pormenorizada do método, das proporções, do dia da vindima, do transporte, das castas, tempo de repouso, densidade do mosto. Era assim que obtinha um produto de qualidade. O texto está ricamente documentado com quadros síntese sobre castas, estado de uvas, densidade do mosto, temperatura em graus centígrados, datas de vindima, enfim nada ficava olvidado. Este método é próprio dos investigadores. Sampaio foi um mestre em tudo que fazia. A experimentação e a experiência permitiram o fabrico de um vinho verde licoroso, cujo método foi descrito, passo a passo, até se obter um “vinho do porto” feito de uvas de vinho verde. Tudo consta em livros manuscritos por Alberto Sampaio, onde o rigor científico é pedra de toque. Introduz novas castas em Boamense, como o moscatel e ei-lo, de novo a fazer registo de pormenor para os vindouros, como obter vinho “moscatel maduro fino” na região dos verdes. Também se aborda a produção dos tintos, os problemas climatéricos, frio, chuva e colheitas tardias e como este quadro intervém na quantidade e qualidade do néctar de Baco. Todos os passos, medições, procedimentos, temperaturas, quantidades; um rol de pormenores como trasfegas, borras, tipos de uva, tudo ficou anotado, como se de uma memória para o futuro se tratasse para aprimorar o vinho verde. Tratamentos das videiras com calda à bordalesa também são uma experiência nesta quinta. Um laboratório científico com registos precisos e preciosos, a que não faltou a tentativa de produzir vinhos tipo Bordéus. Sempre a experimentar e a registar; castas de outras regiões, muitas e variadas, como a Malvásia e outras francesas. Autênticos diários sobre a vinha e o vinho. Os autores do texto revelam-nos um verdadeiro tratado de enologia e de viticultura deixado por Alberto Sampaio.

Na sequência do artigo anterior, a Doutora Teresa Mota aborda a temática de “As castas que Alberto Sampaio cultivou”. Sublinha-se a importância da correspondência para conhecimento das enxertias e métodos de registo deste universo de vides usadas nas propriedades de A. Sampaio. Começando pela onomástica das castas e pelas referências ao nível da folha, a autora enumera mais de quatro dezenas de videiras e aponta nomes autóctones e outros com denominação diferente, onde também pontuam castas francesas e mesmo italianas.

Centrando a atenção na participação cívica, a partir das correspondências, temos a temática da “Epistolografia Política”, onde o leitor encontra os trabalhos de Célia Taborda e Francisco Ribeiro da Silva. Célia Taborda enquadra o estudo no contexto da epistolografia e explora a vertente política de um homem que não exerceu cargos neste domínio, mas deixou opinião em missivas dirigidas a Luís de Magalhães, um parlamentar e Governador Civil de Aveiro. Sampaio e Luís de Magalhães cultivavam amizade e trocavam opiniões sobre a agricultura, hortofloricultura, mas também sobre a vida política. É desta permuta epistolar que emerge uma visão negativa sobre os políticos, em geral, e mesmo sobre D. Carlos, que critica por deambular fora do Reino, quando as dificuldades económicas e os problemas financeiros mereciam mais atenção, mas acima de tudo o crédito perdido dos políticos de finais de oitocentos. Por isso, Sampaio preferiu o recato do mundo rural à vida na capital. A autora ainda toca na política internacional, mostrando a perspectiva crítica de um homem atento à sociedade e a vários acontecimentos, com soluções para a crise financeira, como a venda das colónias, para ultrapassar a dívida nacional.

Francisco Ribeiro da Silva dá continuidade a estas correntes de papel e tinta, tratando da correspondência do homenageado com Oliveira Martins.

O historiador analisa as teias de afecto praticado através de folhas manuscritas intimistas. A amizade cultivada não deixa de ter enquadramento com pequenos presentes de Baco, caixas de vinho oferecidas aos amigos. Estas relações e intimidades também propiciavam a trocas de favores, quando era necessário pedir apoio para algum familiar de Sampaio, como o sobrinho que foi a Lisboa a “concurso de delegados”, para o melhor despacho. Mas o contrário também ocorreu, em contexto político, para permuta de votos. A amizade era a pedra de toque destas ligações de papel, trocando visitas, e disponibilizando espaços domésticos para tempos de ócio, tal era a força destas sociabilidades. Mas a melhor prova de benquerença está patenteada na crítica às obras dos amigos, recenseando-as, fazendo observações e dando sugestões de melhoria dos textos. Era assim a amizade genuína e solidariedade deste grupo, onde se cruzam Alberto Sampaio e Oliveira Martins. Não falta o empréstimo de livros raros e revistas estrangeiras e mesmo de documentos manuscritos, para apoio mútuo. Neste texto, Ribeiro da Silva, ainda sublinha a dimensão humana visível através das missivas.

Segue-se o artigo de Henrique Rodrigues, centrado no epistolário tem por título Correntes de papel e tinta, uma abordagem à correspondência de Alberto Sampaio. O autor começa por analisar um caderno de despesas da mãe de Sampaio e dá, em pormenor, informes sobre os gastos com a formação académica de Alberto e o irmão José, desde os estudos secundários em Landim, até ao fim do curso, em Coimbra. Um exemplo de rigor, disciplina e educação materna que a jovem mãe viúva incutiu nos filhos Sampaio. Neste estudo são apresentados gastos com renda da casa dos estudantes, calçado e vestuário, deslocações e matrículas, mas também verbas para tratamento de doenças, além de mesadas, dinheiro para passagem da consoada em Coimbra e para as férias do entrudo. Tudo está meticulosamente documentado.

O investigador analisa as correspondências recebidas e emitidas, para saber de onde e para onde endereçava Alberto, mas também que ritmos e rituais praticava, quando escrevia, e descobre que o tempo do uso da pena tinha moda a meio da semana, à quinta-feira, mas também pegava no papel e tinta ao sábado e domingo. Os principais sítios de emissão eram Guimarães e a Quinta de Boamense. O Historiador ainda se questiona sobre os temas destas correspondências e conclui que eram era dominadas por “escritas de si mesmo”, trocando cartas para ouvir os colegas e desabafar sobre tudo, sem deixar de referir o estado de espírito, problemas pessoais, política, falar da agricultura, da vinha e do vinho, da floricultura, da amizade e das sociabilidades. Assim recebeu missivas de dezenas colegas e de vários sítios, como: Lisboa, Porto, Vila de Conde, mas também do estrangeiro, quando os amigos estavam ausentes. Em síntese, este texto mostra o perfil de escrita organizada, pensada, ritualizada, mas também compulsiva, por ser obrigatória e necessária.

Uma outra secção reúne a Opinião Publicada, com textos de Gonçalves Guimarães e José Luís Braga. Gonçalves Guimarães coloca-nos perante as contribuições de Alberto Sampaio na Revista de Portugal. Começa por remeter o leitor para a Geração Coimbrã, de onde saíram vultos da cultura portuguesa de oitocentos, conduzindo-nos para esse repositório que é a Revista de Portugal, onde Sampaio colaborou, como sinal de todo o reconhecimento de Eça de Queirós e Oliveira Martins, assim como João de Deus, Antero de Quental, onde alguns dos melhores textos, ainda hoje com referência nas academias, são da lavra de Alberto Sampaio.

Segue-se o trabalho de José Luís Braga, com o título “A viticultura minhota nos estudos sampaianos da Revista Guimarães”. O investigador inicia com uma nota sobre a produção de vinho desde a romanização, até ao século xix, realçando a importância económica deste produto. Partindo das publicações, na Revista Guimarães, o autor destaca os estudos de Alberto Sampaio sobre métodos de cultivo da vinha, tipos de solos adequados para a produção, apontando os terrenos mais ricos para obtenção de “vinho fino”. E avança para o modelo de cultura associada de cereais e vinha, como forma complementar de melhorar rendimentos, conciliando agricultura com viticultura. A análise aos vários vinhos verdes tem aqui lugar. A qualidade depende de uma boa uva madura, mas também do modelo de cultivo, seja o enforcado, a ramada ou a cepa, cujas quantidades e qualidades de sumo são diferentes. Sampaio desejava o “vinho fino”, preferia a qualidade à quantidade, o néctar generoso. Neste trabalho, ainda se abordam de doenças da videira, tratamentos contra a filoxera. Em síntese, Alberto Sampaio foi um defensor do vinho verde de elevada qualidade, um produto saboroso, refinado e genuinamente natural, sem zurrapas, promovendo a exportação de um sumo de qualidade. Ter um produto de consumo corrente e um vinho de nível superior para exportação era uma forma de os lavradores equilibrarem a economia da viticultura, tornando-a competitiva e aperfeiçoando a qualidade do vinho verde.

A revista fecha com o artigo de José António Oliveira, que trata das Exposições nacionais e internacionais. O autor apresenta uma nota de actos vitais de Sampaio e um breve curriculum, de um Homem atento ao que se passava em Portugal, mas também além-fronteiras. Traçado o perfil de um “ilustrado” no tempo de Liberalismo, é feita menção à capacidade de trabalho, saber acumulado, competências e ao domínio de línguas como: francês, inglês, alemão, grego e latim, que Sampaio escrevia e falava fluentemente. O historiador José António Oliveira estuda a participação nas exposições agrícolas e industriais, onde se exibiam os melhores produtos e apresentavam inventos para a agricultura. A primeira nota é dada à Exposição e Congresso vitícola do Porto, em 1880, realizada no Palácio Cristal. Neste evento, realça-se o tratamento dado a questões de viticultura, desafios e problemas e destacam-se os bons vinhos apresentados a concurso, mas também se abordaram os tratamentos contra a filoxera, plantação de vides americanas, tipos de lagares e instrumentos para cuidar do vinho. Tudo para dar nova visibilidade, divulgação e dinâmica à produção do néctar da região. Outra exposição, bem cara ao homenageado, tendo integrado a Comissão Central, realizou-se em Guimarães, em 1884. Alberto Sampaio, um Homem crítico, consciente do percurso que a região devia trilhar, apelava à união de esforços das populações para vencerem as dificuldades da indústria e mesmo da agricultura, pois tinha chegado o comboio a Guimarães, nesse ano de 1884, devendo ser um factor de desenvolvimento. E diz assim o investigador: “A exposição industrial de Guimarães revelou-nos um cidadão atento, preocupado, interventor e crítico... alguém que apontava caminhos, soluções para muitos dos problemas de então”. No mesmo ano, a Exposição Agrícola de Lisboa, com participação de vários países europeus e dos Estados Unidos, onde os vinhos muito se destacaram com mais de sete dezenas de expositores, tendo Sampaio recebido uma medalha pelo vinho verde. Em síntese, tendo participado em exposições internacionais e nacionais, viu reconhecido o seu esforço, trabalho e dedicação à viticultura, ao ser premiado com prata, no Porto e em Berlim, menção honrosa em Paris e cobre em Filadélfia e Lisboa. O historiador termina o texto adjectivando Alberto Sampaio como um “Homem de espírito crítico e racional, mas também amável, afectivo, atencioso, paciente, meticuloso, simples, nada dado a populismos, actualizado, curioso, um lutador pelo progresso”.

Boas leituras.

 


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